Foi o que aconteceu com Conceição Geremias, atletas que representou o Brasil em três Olimpíadas (Moscou 1980, Los Angeles 1984 e Seul 1988) e foi campeã pan-americana em 1983.
"Olha, eu não sei se é obra do destino ou se é falha da medicina", iniciou ela, à ESPN. "Eu entrei no centro cirúrgico para fazer uma cirurgia simples, e as coisas foram se complicando. Hoje eu tenho uma amputação abaixo do joelho da perna esquerda, e no pé direito tenho algumas feridas, que estou fazendo curativo e vão cicatrizando."
"Fatalidade? Não sei. Eu vejo de duas formas, uma coisa que eu tenho que passar, que ninguém passa por mim; e o outro lado só a medicina explica, porque era uma simples cirurgia do túnel do tarso, não era para provocar tudo isso", resume.
O trágico procedimento cirúrgico aconteceu em janeiro de 2024. Até o fim de 2023, ela ainda estava nas pistas, em competições da categoria máster. Faz apenas um mês que Conceição voltou para a casa da irmã mais velha, Dionir, que se dispôs a cuidar integralmente da caçula em Campinas, cidade no interior de São Paulo.
Conceição não quis citar o nome do médico supostamente ocasionou todo o grave problema de saúde que ela enfrentou, mas não deixou de contar os detalhes do pesadelo vivido em meses entre a vida e a morte no hospital.
"O médico falou: você sai andando. E eu sai andando do hospital, mas eu vim para casa, e sangrava muito. Foi complicando, complicando... E aí tive que voltar para o hospital. Tive esse problema de infecção hospitalar. Me deixaram abandonada lá, e o médico não passava. Ou olhava e não dizia nada. Enfim, a coisa foi se complicando até chegar a esse ponto."
"As minhas irmãs reclamavam para o médico, por mais atenção, mas não tinha como. Até que complicou: eu entrei em coma. Fui entubada e me transferiram de hospital, era da mesma rede, eu estava em Hortolândia e vim pra Campinas e fiquei muito tempo na UTI. Depois na unidade coronária, enfim, aí por fim, eu troquei de médico, e ele fez uma revascularização. Jorrou bastante sangue nas pernas, e aí que eu parei de sentir as dores, porque eram 24 horas de dor. Com a morfina, dos remédios que bombavam, perdi a noção do tempo."
Perguntada se pretende mover uma ação judicial contra o médico e o hospital onde viveu seu drama, Conceição afirmou que até consultou advogados, mas que, a princípio, não vê a Justiça como um caminho, pois os custos em causas do tipo são altos.
Todas as economias de Conceição foram gastas em remédios, enfermeiros e com os curativos que até hoje são feitos, três vezes por semana.
Nada impede, porém, que Conceição tenha um recado claro para quem a operou. "Eu falaria assim: você me garantiu que era uma cirurgia simples, e olha o estado que você me deixou. Eu, uma atleta bem-conceituada, você devia ter tomado mais cuidado, cuidado na cirurgia, no tratamento, coisa que não aconteceu", disse ela.
"Eu posso comparar com o (médico) vascular, o último. Quando eu retornei ao hospital e cheguei no pronto-socorro, na triagem, a moça já falou: 'nossa, a gente já estava te esperando. O doutor Fernando já avisou que você ia chegar'. O outro não, ele me largou lá, não apareceu mais. É um descaso. Agora ele vai viver com essa culpa: eu acabei com uma atleta famosa."
O desabafo de Conceição não caminha junto com a gratidão que ela carrega só por estar viva. Aliás, faz questão de destacar a importância de dois nomes, dois "anjos da guarda", segundo ela, que devolveram a esperança de dias melhores. O médico Fernando Daiggi e o enfermeiro Henrico Bressanim, duas testemunhas da fé e da força de uma mulher que tem muito a ensinar.
"Eu acho que eu estou mais preparada do que o João do Pulo. Porque ele se viu sozinho e teve todo aquele problema que a gente sabe. Mas eu, diferente do João do Pulo, quando recobrei a memória, me lembro que estava no centro cirúrgico, e veio o médico anunciar: 'Olha, a gente teve que fazer uma amputação'. Porque, até então, eu não tinha percebido, estava voltando. 'Nossa, é mesmo doutor?' E ele: 'Foi só um trecho'. E eu falei: 'Olha, eu agradeço por estar viva'. Foi isso que eu disse para ele. Nunca fiquei olhando para minha amputação como o fim do mundo."
Conceição também sabia que a amputação abaixo do joelho era melhor para a posterior obtenção de uma prótese. "Vai ser tranquilo uma prótese, e vou conseguir ter uma qualidade de vida", pensou.
Professora de educação física, a campeã pan-americana, de fato, agora volta a ter planos. Quer continuar tocando seus projetos sociais em Campinas, dando oportunidades a jovens da periferia, além de retornar, o quanto antes, às pistas de atletismo máster, onde há mais de 30 anos segue fazendo história – e pretende seguir assim até o fim da vida.
"Eu sonho entrar em uma pista. Não digo correndo, mas arremessando peso, lançando dardo, até um disco. Como não posso usar muito as pernas, para arremesso e lançamento, estou bem, estarei com os braços bem fortes para quando chegar minha hora."
Determinada a voltar às competições, Conceição só vê um único obstáculo para a realização desse sonho grandioso: o preço da prótese que a possibilite a prática esportiva. Um modelo para um atleta paraolímpico custa entre R$ 20 mil a R$ 30 mil.
Com o salário de professora aposentada, ela não tem condição de adquirir o equipamento que pode devolver a qualidade de vida que ela encontrou no esporte desde 1970. "Eu andei pesquisando preços, mas eu desanimei, porque é bem alto. Na verdade, eu não tenho dinheiro. Tem uns planos para 60 meses, mas é preço de um carro, né? Também não vejo condições de pagar com o meu salário, preciso de ajuda para conseguir."
Assim, ela segue sonhando...